Número oficial de pessoas com autismo no Brasil ainda é desconhecido

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) poderá divulgar neste ano, como parte do cronograma de publicação dos resultados do Censo 2022, os dados relacionados ao quantitativo da população com Transtorno do Espectro Autista, conhecido como TEA ou apenas autismo. Será a primeira pesquisa oficial e nacional consolidada sobre o tema, a partir da inclusão de perguntas no Questionário de Amostra, aplicado em 11% dos domicílios brasileiros. Os resultados ainda estão sendo apurados e a data de divulgação ainda não foi confirmada pelo instituto.

O que existem atualmente são estimativas não-oficiais sobre o número de pessoas com TEA no país. Uma delas, baseada em estudos periódicos do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), que é a agência pública de saúde dos Estados Unidos, aponta que elas sejam entre 1 milhão e 2 milhões de brasileiros. Outras se baseiam na emissão das Carteiras de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), instituída nacionalmente pela Lei Romeo Mion (13.977/2020) e cuja emissão é feita individualmente por estados e municípios. E globalmente, o estudo Situação Mundial da Infância 2021, divulgado há dois anos pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), estimou que mais de um em cada sete crianças com idade entre 10 e 19 anos vivem com TEA ou outro transtorno mental diagnosticado.

Mesmo com esse vácuo existente, especialistas esclarecem que não há “aumento” no número de casos de TEA, mas sim um aumento nos métodos de rastreio adotados cientificamente, como observação clínica e protocolos de escala como Portage, Cars (Childhood Autism Rating Scale) e IDADI (Inventário Dimensional de Avaliação do Desenvolvimento Infantil). “Então, tem se falado mais sobre isso, e o número de pessoas que buscam e procuram saber disso aumentou consideravelmente”, diz a psicóloga Catiele Reis, professora do curso de Psicologia da Universidade Tiradentes (Unit) e especializada em Psicologia da Infância.

Ela acrescenta que a busca por informações sobre o autismo tem se dado principalmente devido ao chamado transtorno da pandemia da Covid-19, que afetou principalmente a saúde mental de crianças e adolescentes. “Na infância, está havendo realmente um atraso no desenvolvimento das crianças por causa da pandemia. As crianças passaram muito tempo em casa e com isso teve um atraso de desenvolvimento. E aí ela faz terapia para buscar atingir o marco do desenvolvimento”, diz a professora.

Catiele faz um esclarecimento importante: o autismo não pode ser considerado doença, mas sim um transtorno neuropsicológico que faz parte de um espectro, com sinais de pequenos atrasos no desenvolvimento em pelo menos três áreas: socialização, linguagem e comunicação. “Ele faz parte de um espectro onde tem inúmeros sintomas sinais de pequenos atrasos no desenvolvimento. Estar dentro do espectro é uma coisa muito ampla e a pessoa pode ter vários níveis. Então, não pode ser considerado doença porque ele tem uma amplitude muito grande, que um diagnóstico de doença não causa e que a pessoa consegue conviver com ele, tendo ou projetando uma boa qualidade de vida”, destaca.

Inclusões incorretas

A questão do autismo tem sido recorrente na mídia e nas redes sociais por causa de episódios de preconceito e desrespeito sofridos por pessoas autistas e por familiares deles. Um dos mais recentes aconteceu em Feira de Santana (BA), onde a mãe de um menino autista de três anos denunciou ter sido discriminada por uma atendente de uma loja de roupas, que teria se recusado a atendê-la. A funcionária foi demitida, mas divulgou um vídeo negando a acusação e está processando a empresa na Justiça.

Para a professora da Unit, o preconceito da sociedade e até mesmo de familiares distantes dos próprios autistas se dá pelo desconhecimento ainda reinante sobre o assunto, que aparece até nas tentativa de inclusão de crianças e adolescentes com o transtorno em ambientes como escolas, creches, clubes e espaços públicos em geral. De acordo com especialistas, tal inclusão é feita muitas vezes de maneira incorreta e sem a capacitação adequada dos profissionais desses estabelecimentos, incluindo os gestores.

“Há um certo tipo de inclusão perversa no que acontece, que pensa-se que as crianças incluem a criança em todo lugar, mas a criança não está incluída de fato, porque não tem ferramentas para lidar com aquela pessoa. Por exemplo, ele vai para uma escola, mas a escola não dispõe de meios necessários para que a criança possa se desenvolver ali. Então é um preconceito pela falta do que lidar, pela falta do que saber”, alerta Catiele, que chama a atenção também para a importância do respeito às leis e políticas públicas já existentes em favor das pessoas com autismo e de seus familiares.

Destas leis, destacam-se como principais a Berenice Piana (12.764/2012), que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, e a Romeo Mion (13.977/2020), que cria a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), emitida gratuitamente por estados e municípios, e facilita a identificação de pessoas com TEA para garantir-lhe direitos previstos em lei, como filas e atendimentos preferenciais.

Catiele Reis considera que estas leis e políticas estão se adequando ao TEA, e ainda faltam muitos avanços para a garantia de um respeito pleno às pessoas com esta condição. “A gente tem a lei que ampara ter um cuidador especializado nas escolas. A gente tem o direito à gratuidade, à fila especial, e até ao auxílio-benefício em alguns casos de TEA grave, mas a gente ainda precisa alcançar muita coisa”, considerou, citando demandas ainda a serem conquistadas, como a definição de um tratamento especializado para o autismo nos planos de saúde e a liberação da atenção intensiva para as crianças, sobretudo no ambiente escolar.

Fonte: Asscom Unit

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